26.3.07

Sandra Carvalho
UMA ESCRITORA DE MAGIAS

A escritora Sandra Carvalho nasceu em Sesimbra, “numa rua antiga virada para o mar” e descende de uma família de pescadores que desde menina a habituaram a histórias e lendas marinhas.
34 anos depois de sonhar, foi o marido quem enviou um manuscrito das suas fantasias para a Editorial Presença que de imediato se dispôs a avançar com a sua publicação.

O primeiro livro da autora foi para as bancas em Maio deste ano e no passado dia 17 de Outubro já saíram as “Lágrimas do Sol e da Lua”, o 3º volume da obra, a “Saga das Pedras Mágicas”.
Foi junto ao mar salgado de Sesimbra que o Nova Morada encontrou esta autora que nos revelou alguns dos mistérios da obra e das mudanças que a saga representou na sua vida.

Nova Morada – Fala-nos da “Saga das Pedras Mágicas”...
Sandra Carvalho - A “Saga das Pedras Mágicas” é um romance que envolve a civilização celta e está inserida na colecção “via láctea”, da Editorial Presença. Conta-nos a história de sete pedras envoltas na magia de uma feiticeira que é condenada. Toda a acção se desenrola em torno dessas pedras, a pessoa a quem elas vão ser entregues, a cobiça e diversas lutas que se vão travar para se apoderarem delas.

Nova Morada – Sendo “Lágrimas do Sol e da Lua” o terceiro livro publicado, é imprescindível saber se esta obra é uma triologia...
Sandra Carvalho – Não. Começaram por ser seis livros porque a ideia original era que a “Saga” passasse por três gerações, como acontece muitas vezes nas triologias, mas em que cada dois livros incluisse uma geração. Com as “Lágrimas do Sol e da Lua” a minha imaginação fluiu, deixei muitas ideias soltas e decidi que esta geração teria não dois mas três livros. A saga passa a ter sete livros, o que até faz bastante sentido porque tudo anda à roda da misticidade do número sete, penso que até acaba por se tornar engraçado...

Nova Morada – Os teus livros retratam a figura dos viquingues e chegaste mesmo a dizer que a História não lhes fez justiça. A que justiça te referes?
Sandra Carvalho – Os viquingues são sempre retratados como um povo inculto, bruto e cruel mas eu penso que eles foram grandes conquistadores na sua época. Tanto a cultura como a magia dos viquingues eram bastante desenvolvidas em relação ao que nos chega através da História. Eles são descritos como uma sociedade desorganizada, o que não é verdade. Na pesquisa que fiz descobri que as mulheres tinham muitos direitos que não existiam noutras civilizações, como por exemplo, o direito ao divórcio. Tudo isto por volta do ano mil...

Nova Morada – E a passagem dos viquingues por Portugal?
Sandra Carvalho – Não fiz muita pesquisa a nível de Portugal mas passaram por cá os visigodos e outros povos marcantes que também vieram do Norte da Europa...

Nova Morada – Associas pessoas reais e que fazem parte da tua vida às personagens fantásticas dos livros?
Sandra Carvalho – Não, de maneira nenhuma. O que tento é imaginar uma personagem e trazê-la para dentro de mim. Tento não criar personagens tipo, cada personagem tem a sua própria personalidade complexa, nunca completamente boa ou má, mas com todo o tipo de pensamentos, de tentações e de problemas. Mesmo os heróis têm, com o evoluir da estória, crises de ciúme, de ódio e de rancor, para que todas as personagens possam realmente ser humanizadas.

Nova Morada – Se pudesses escolher ser alguma das personagens, qual serias?
Sandra Carvalho – Nunca pensei nisso, creio que nasci na altura certa e estou muito contente com o que vivi e aprendi. Vivemos numa sociedade em que temos acesso a toda a tecnologia e com os meus 34 anos considero-me privilegiada porque conheci o mundo que existiu antes dos computadores e agora assisto a tudo a que os jovens têm acesso. Acompanhei duas realidades distintas e sou muito sortuda por isso. Sinto-me bem na minha pele...

Nova Morada – Parte do sangue que te corre nas veias vem de pescadores. De que forma é que esse facto influenciou a tua obra?
Sandra Carvalho – Influenciou bastante porque nasci praticamente ao pé da praia. Toda a minha família está ligada à praia, tanto do lado do pai como da mãe. Tive toda essa riqueza das estórias e das lendas que vêm do mar e que serviram para construir o meu imaginário. As minhas tardes enquanto criança foram passadas a brincar na praia. Para mim o mar é motivo de inspiração...

Nova Morada – À semelhança dos viquingues, consideras os nossos pescadores injustiçados?
Sandra Carvalho – Estamos a viver uma época difícil para todos. A nossa identidade está a perder-se por todo o país, as coisas estão cada vez mais difíceis e Sesimbra não será excepção. Estamos a passar por um período em que tudo o que é pesca artesanal tem tendência a desaparecer...

Nova Morada – Soubémos que te faltava a coragem e foi o teu marido a colocar o manuscrito da 1ª. obra no correio. Como reagiste quando obtiveste uma resposta positiva por parte da editora?
Sandra Carvalho – Quando me telefonaram eu tive de pedir para ligarem mais tarde porque não consegui falar. Foi um choque muito positivo, algo que não consigo descrever. Este era um sonho que eu tinha desde menina, pois escrevo desde muito, muito nova. Nunca tive a coragem de tentar publicar porque escrevo por prazer, os meus tempos livres são dedicados à escrita e se o meu trabalho fosse apreciado por profissionais que dissessem “não tem qualidade”, o sonho morreria. Quando me disseram realmente que o projecto era bom e que tinha pernas para andar fiquei sem palavras, foi fenomenal.

Nova Morada – Quando é que saiu o primeiro livro?
Sandra Carvalho – Comecei por entregar dois livros à editora. O primeiro foi publicado em Maio deste ano e o outro saiu em Julho. O terceiro é o mais recente, é este que foi publicado em Outubro.

Nova Morada – Sentiste-te pressionada com a necessidade de escrever com urgência ou de fazer destas obras best-sellers?
Sandra Carvalho – Não, a literatura fantástica é muito divulgada na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas em Portugal ainda é uma literatura marginal. As pessoas que pegam nos livros é porque realmente gostam. A única coisa que me dizem da editora é que querem o próximo, mas eu trabalho a tempo inteiro e tenho uma casa para cuidar. Só à noite e aos fins de semana é que escrevo porque preciso de inspiração. De repente deixei de ter vida social, porque os meus tempos livres são sempre dedicados à escrita, isto não é uma queixa, porque escrevo por prazer e quando o faço sinto-me realizada. É uma responsabilidade... mas as pessoas que trabalham na editora não exigem, aconselham e encaminham-me...

Nova Morada – Concluímos com a pergunta da praxe, quais são os teus autores preferidos?
Sandra Carvalho – Dentro da fantasia são Marion Zimmer Bradley, Tolkien, Juliet Marillier, e gusto muito de Conan Doyle e de Michael Crichton, gosto muito de Michael Crichton...

Nova Morada, edição nº 303, 10 Novembro 2006